A escravatura moderna

Trabalhar na área das limpezas tem muito que se lhe diga. Horários, condições, trabalho... Enfim, uma série de coisas que a grande parte das pessoas desconhece.

Porém, vou tentar explicar como funciona este incrível submundo de escravatura.

Em primeiro lugar, tenho de vos falar dos horários (claro que existem sempre exceções) onde a grande maioria das pessoas acorda com o doce som do despertador entre as 4 e as 5 da manhã para, às seis da manhã em ponto, darem início às tarefas de limpeza (tem de ser precisamente às 6 pois é necessário picar o melhor amigo de qualquer trabalhador - o cartão de picagem)

Em segundo lugar, o local de trabalho. Escritórios, armazéns, supermercados, lojas... Com espaços de dimensões variadas onde, regra geral, o número de pessoas contratadas é sempre inferior ao necessário para efetuar o serviço de acordo com os padrões mínimos de exigência.

De seguida, os clientes. Aquelas maravilhosas pessoas que adoram dificultar a vida, que deixam prepositamente tudo sujo (e quando digo tudo refiro-me sobretudo aos locais privados onde realizamos as nossas necessidades). Acreditem quando digo que já vi de tudo - macacos colados nas paredes, sanitas cheias de "nutella", fraldas de adultos com brindes colocadas no vidrão, piscinas de café no chão... Enfim, como veem, podia passar o dia a enumerar todos estes aspetos interessantes mas vou continuar com o texto.

Em quarto lugar, condições. Falta de material, falta de cacifos para a colocação dos bens pessoais, um balneário para trocar de roupa ou até mesmo uma casa de banho (mesmo que pequena do tipo aldeia dos smurfs) são alguns fatores que, caro leitor, ajuda imenso a realização da função.
Passando ao tópico mais aguardado, temos o dinheiro! Lamentavelmente, todos os trabalhadores de limpeza ganham 3,45 à hora em associação ao valor do salário mínimo nacional em vigor. Como veem é uma enorme fortuna tendo em conta os valores que os clientes pagam às empresas de limpeza.

Posto tudo isto, meus caros, surge a relação entre colaboradores e clientes.
De uma perspetiva psicológica, todo o ser humano tem necessidade em estabelecer relações interpessoais. Quero dizer que com o passar do tempo os clientes e os prestadores de serviço de limpeza, criam relações de amizade ou, pelo menos, sociais.
Nalguns casos é a sentença de morte dos escravos da limpeza e porquê? Simples, porque quanto maior é a confiança maior é a exigência. Quanto mais alto é o nível de exigência menos são vistos como seres humanos compostos de sangue de cor vermelho, sentimentos e emoções. Passam a ser encarados como máquinas de limpeza e, quando, devido ao cansaço ou a problemas pessoais, falham nalgum aspeto, por muito pequeno que seja criasse um furacão de reclamações mais destrutivo do que o Katrina.

Claro que existe solução para tudo isto. Como dizem os antigos: "existe solução para tudo, menos para a morte". A meu ver, algumas estratégias de melhoramento são uma melhor organização e preocupação para com os colaboradores inseridos em empresas de limpeza, a premiação dos trabalhadores com as melhores avaliações e o acompanhamento ativo não só do serviço como das pessoas. Mas, para isto, tem de existir vontade, alguém com capacidade para resolver e, como todos sabem, não existe.
Eu faço parte deste mundo. Deste dia-a-dia duro e ingrato onde apenas nós, todos juntos podemos fazer a diferença e mudar o rumo das coisas. Mudar para melhor. Lutar por melhores condições e por respeito!

Contudo, estimados leitores e para concluir, todos os que se matam a trabalhar neste ramo são não só tratados como um mecanismo de limpeza como também desprezados, maltratados e desrespeitados não apenas pelos clientes mas também (se não principalmente) pelas empresas de limpeza.

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